Por/Sérgio
Ciquera Rossi

Originariamente tal Projeto de Lei, a par de isentar das
vedações previstas no artigo 23 da Lei de Responsabilidade Fiscal, praticamente
bania do ordenamento a regra do artigo 42 da mesma lei.
A “pérola” concentrava-se na inclusão do artigo 42-A, cuja
íntegra era do seguinte teor:
“O titular do Município está desobrigado de pagar as despesas
empenhadas no mandato anterior de outro prefeito, ressalvada a hipótese de
disponibilidades financeiras suficientes em caixa, em caso de perda de recursos
financeiros, em comparação ao exercício financeiro anterior, oriunda de
diminuição de arrecadação dos tributos de competência própria, de diminuição
das transferências recebidas do Fundo de Participação dos Municípios decorrente
de concessão de isenções tributárias pela União e de diminuição das receitas
recebidas de royalties e participação especial.”
Da leitura extrai-se que os Prefeitos daquela quadra 2013 a
2016 não teriam nenhuma responsabilidade com débitos do mandato anterior.
Do trecho da exposição de motivos constava:
“Nesse sentido, apresentamos o presente
projeto de lei para coibir a aplicação de sanções às municipalidades que
desrepeitem o limite de sessenta por cento (60%) da RCL no tocante às despesas
totais com pessoal e para permitir que o titular do município se desobrigue do
dever de pagar despesas empenhadas pelo prefeito anterior em caso de perda de
recursos financeiros oriunda de diminuição das transferências de recursos do
FPM e rendas governamentais do petróleo.”
Ainda
bem que a pretensão naufragou e resultou tão somente nas inclusões de
parágrafos no artigo 23 da LRF que, na prática, para os poderes e orgãos
jurisdicionados ao Tribunal de Contas do Estado de São Paulo não terão maiores
reflexos fiscais.
Dos
males o menor.
Sim! Refiro-me aos reflexos dessa última Lei em relação
àqueles que serão produzidos por um instrumento denominado “Decreto de
Calamidade Financeira”.
O fato não é novidade e o Tribunal de Contas do Estado de São
Paulo, em tempo passado, expediu COMUNICADO em que:
“A utilização desses instrumentos não
encontra amparo no artigo 65 da Lei de Responsabilidade Fiscal e viola inúmeras
regras do direito financeiro dentre outras, a quitação dos Restos a Pagar e a
ordem cronológica de pagamentos, o que poderá trazer implicações no exame de
contas anuais.” (DOE de 23/02/17)
É que essa “invenção” vai resultar na produção incontrolável
de atos afastados da necessária conformidade. Não vi o texto de tais Decretos,
mas ouvi os comentários no sentido de que são necessários para, em última
análise, reestabelecer o equilíbrio das contas públicas.
Ora, é evidente que os instrumentos necessários para o
controle das finanças públicas estão à disposição dos responsáveis que, se bem
manejados, garantem o tal almejado e necessário equilíbrio entre receitas e
despesas.
Refiro-me à Lei de Responsabilidade Fiscal - Lei Complementar
101, de 4 de maio de 2000 – que no §1º, de seu artigo 1º, define com clareza
meridiana as razões de sua concepção, qual seja, a ação “planejada e transparente em que se previnem riscos e corrigem desvios
capazes de afetar o equilíbrio das contas públicas.”
Sem falar da relevantíssima importância do planejamento sério
e responsável em que as despesas hão de caber nas receitas, ao invés de
projetar receitas que sabidamente não se realizarão, a Lei dispõe de rol de
ações que se tornam imperiosas ante as ameaças de eventual desequilíbrio.
O artigo 9º, por exemplo, que trata sobre a limitação de
empenhos sempre que “se verificado, ao
final de um bimestre, que a realização da receita poderá não comportar o
cumprimento das metas de resultado primário ou nominal estabelecidas no Anexo
de Metas Fiscais, os Poderes e o Ministério Público promoverão, por ato próprio
e nos montantes necessários, nos trinta dias subsequentes, limitação de empenho
e movimentação financeira, segundo os critérios fixados pela lei de diretrizes
orçamentárias.”.
Esse é o instrumento que o gestor responsável e atento deve
lançar mão quando ameaçada a higidez de suas contas.
O gestor há de saber eleger prioridades, mesmo sabendo-se que
as prioridades são muitas e os recursos poucos.
Outra disposição de aplicação compulsória encontra-se na regra
do artigo 11, consistente na previsão e efetiva arrecadação de todos os
tributos de competência constitucional da correspondente esfera de governo.
A regra é de tamanho significado que veda a transferência voluntária
de recursos se não forem cobrados todos os impostos.
É conhecida a pouca disposição de governantes com essas
obrigações, que aliadas às tímidas iniciativas, acumulam dívidas ativas de
números consideráveis.
O mesmo raciocínio aplica-se aos comandos do artigo 14 que, em
verdade, permite a renúncia de receitas, mas cercadas de cuidados que se não
tomados pelo governante podem resultar em efeitos extremamente danosos.
Outro cuidado de lastro é o controle de gastos com pessoal que
seguramente revela-se instrumento de uso político descuidado.
Há limites com os gastos com pessoal que devem ser observados
rigorosamente para evitar, dentre outras consequências, aquelas do artigo 169
da Constituição Federal.
Outro ponto que há de ser respeitado é o comando do artigo 42,
tantas vezes passíveis das mais variadas interpretações e que, a meu ver, deve
permanecer como está, mantendo os necessários cuidados com a conta de Restos a
Pagar referida no já mencionado §1º, do artigo 1º, da LRF.
Por último, espera-se que o indigitado Decreto de Calamidade
Financeira não revogue o artigo 5º da Lei nº 8.666 de 1.993, evitando o perigo
da excessiva discricionariedade.
Se a Lei de Responsabilidade Fiscal fosse cumprida em
consonância com sua inspiração, não estaríamos diante desse cenário de
desequilíbrio fiscal que dá azo a essa descoberta mirabolante chamada
calamidade financeira.
Calamidade Financeira não se confunde com Calamidade Pública,
esta última amparada no ordenamento constitucional e legal.
* Sérgio Ciquera Rossi é
Secretário-Diretor Geral do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCESP).
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