Primeira manifestação
constitucional do continente americano.
Por Antonio Noberto

A generosidade
gaulesa em escrever e divulgar a população, a fauna, a flora e o território
recém-conquistado, além de confeccionar mapas da região, permitiu que a
fundação de São Luís ficasse conhecida como uma fundação letrada, muito em
razão da maior afinidade às letras que às armas. Os súditos de Henrique IV
(idealizador da Colônia) e de Luís XIII (realizador), especialmente os
capuchinhos e cronistas Claude d’Abbeville e Ives d’Evreux, que escreveram as
primeiras obras sobre a região, deram fartos e promitentes indicativos do
futuro que desenhavam para a região.
A promulgação das Leis fundamentais
decretadas na Ilha do Maranhão e todas as generosidades no trato e na relação
com os nativos confirmavam o norte promissor desta terça parte do Brasil, o que
justifica a frase do maior poeta brasileiro, Antonio Gonçalves Dias: “(...) a
expulsão dos franceses levou consigo muitas esperanças”.
Por outro lado, as coroas
ibéricas expediam carta aos aventureiros e descobridores, que estabeleciam um
conjunto de normas a serem adotadas no trato com os nativos, tudo baseado nas
leis vigentes nas cortes de Portugal e Espanha.
Sobre o tema, o professor,
Doutor e ex-Procurador Geral do estado do Maranhão, José Claudio Pavão Santana,
defendeu na sua tese de doutorado na PUC-SP no ano de 2008, que tais
“conquistadores não dispunham de qualquer competência para elaborar normas que
pudessem ser consideradas, ao menos no continente americano, como tendo sido
por si elaboradas. E isto é o que difere a descoberta (francesa) do Maranhão”.
Tempos depois a tese foi ampliada e publicada com o título O
pré-constitucionalismo na América, trabalho que mostra cientificamente a
precedência dos gauleses no tema.

O conjunto de Leis é um
misto de verdades e de conhecimentos da antiguidade e do período medieval, como
a Lei de Talião, que pregava “Olho por olho e dente por dente”, e do
teocentrismo medieval, revelado na primeira parte do documento. A segunda parte
reza sobre a honra e obediência ao Rei da França, personificado em especial nos
líderes La Touche, Razilly e Harlay, e a terceira e última regia a convivência
na colônia, que, dentre outras coisas, visava a ordem e o “sossego público”.
Observa-se o adiantamento civilizatório do modelo recém implantado no Maranhão,
denotado nas Leis, que apesar de prever a efetividade e reciprocidade do “olho
por olho”, apresentava cláusulas e normas bem adiantadas para a época, como as
que previam o sossego público, o meio ambiente e a dignidade da pessoa humana.
A única reprodução conhecida
das Leis fundamentais faz parte do acervo da Exposição França Equinocial para
sempre, em cartaz no Forte de Santo Antonio, na Ponta da Areia, em São Luís.
*Pesquisador, curador da
Exposição França Equinocial para sempre, membro-fundador da Academia
Ludovicense de Letras e sócio efetivo do IHGM
Fragmentos das
Leis Fundamentais decretadas
no Maranhão em 1612
Nós, Daniel de La Touche,
Cavaleiro e Senhor de La Ravardière, François de Razilly, também Cavaleiro,
Senhor do dito lugar e de Aunelles, procurador do alto e poderoso Senhor
Nicolas de Harlay, Cavaleiro, Senhor de Sancy, Barão de Molle e Gros-Bois,
Conselheiro de Estado e do Conselho Privado do Rei, loco-tenentes-generais de
Sua Majestade nas Índias Ocidentais – tendo empreendido, por graça de Deus, o
estabelecimento de uma colônia francesa no Maranhão e terras adjacentes (...)
reconhecendo a graça, a bondade e a misericórdia demonstradas por Deus ao
conduzir-nos tão felizmente a bom porto, começaremos pelas ordenações que dizem
especialmente respeito a sua honra e a sua glória:
(...)
I – honra a Deus
- ordenamos, pois, expressamente, a todos,
quaisquer que sejam qualidades e condições, que temam, sirvam e honrem a Deus,
observem seus santos mandamentos e prometam não estimar nem empregar senão os
que souberem ter essa santa e reta intenção;
(...)
II – Honra ao rei
- Depois do estabelecido nos
artigos supracitados o que diz respeito principalmente à glória de Deus,
determinamos agora o que se relaciona com a honra de nosso Rei, o qual houve
por bem distinguir-nos com sua escolha para representá-lo neste país.
Ordenamos, pois, que ninguém atente contra nossas pessoas ou contra a vida da
colônia, por meio de parricídios, atentados, traições, monopólios, discursos
feitos no intento de desgostar os habitantes, e cousas semelhantes, e isso sob
pena de ser o infrator considerado criminoso de lesa-majestade e condenado à
morte, sem esperança de remissão;
- ordenamos expressamente
aos que tiverem conhecimentos de atos tão perniciosos que os revelem
incontinenti, sob pena de igual castigo.
(...)
III – Convivência na Colônia
- Depois de estabelecido o
que diz respeito à honra e ao serviço do Rei, representado em nossas pessoas,
assim como ao bem-estar e á segurança desta colônia, ordenamos, para manutenção
desta companhia e da sociedade, que vivam todos em paz e amizade, respeitem-se
mutuamente, segundo as condições e qualidades pessoais, e desculpem uns aos
outros suas fraquezas, como Deus manda, e isso sob pena de serem considerados
perturbadores do sossego público;
- ordenamos que quem quer se
encontre furtando, seja, da primeira vez, açoitado ao pé da forca, ao som da
corneta e sirva durante um ano nas obras públicas, com perda, nesse espaço de
tempo, de todas as dignidades, salários e proveitos; da segunda vez, seja o
infrator enforcado.
- ordenamos que não se
cometa adultério, por amor ou violência, com as mulheres dos índios, sob pena
de morte, pois seria isso não só a ruína da alma do criminoso, mas também a da
colônia; igualmente ordenamos, sob pena idêntica, que não se violentem as
mulheres solteiras;
- proibimos ainda quaisquer
roubos contra os índios, seja de suas roças, seja de outras co
isas que lhes
pertençam, sob as penas supramencionadas.
E para que tudo fique claro
e bem acertado de uma vez por todas, ordenamos sejam essas ordenações lidas e
tornadas públicas na presença de todos e registradas como leis fundamentais e
invioláveis na Secretaria Geral deste Estado e colônia, para serem consultadas
quando necessário. Em testemunho do que, assinamos as presentes ordenações com
o nosso próprio punho; e serão subscritas por um de nossos conselheiros,
secretário ordinário.
Forte de São Luís, Maranhão, dia de Todos os Santos, 1º
de novembro, ano da graça de 1612, (aa) Ravardière – Razilly. Pelos meus
senhores: (a) Abraão.
Fotos de Gilson Ferreira
0 comentários:
Postar um comentário