_“Vocês dormem sobre um tesouro e não estão sabendo”_
             
Jean-Claude Weisz
Ex-secretário de turismo de Saint-Malo
As pessoas mais atentas a história do Maranhão sabem que o nosso estado foi a grande potência desta terça parte do Brasil em outros séculos, onde São Luís desempenhava um papel estratégico dos mais relevantes, produzindo e gerando riqueza, cultura, conhecimento e empregos para ludovicenses, maranhenses, brasileiros e estrangeiros. Não à-toa que mantínhamos com os gostos e gastos duas colônias estrangeiras, que nos vendiam o conforto, o conhecimento e o luxo. Poucas províncias brasileiras souberam aproveitar tão bem as ideias iluministas e a maior proximidade com a Europa, quanto o Maranhão. E isto não se deu apenas no século XIX, mas na maior parte da história do estado, que completou 408 anos no dia 8 de setembro de 2020. O Maranhão de outrora sempre foi destaque no cenário nacional e internacional, o que não vem se repetindo nas últimas décadas, quando a capital maranhense, a “Cidadezinha dos palácios de porcelana” (Paul Adam), vem sendo ultrapassada pelas concorrentes do norte e do nordeste. E o cenário que nos espera não será melhor se não houver um compromisso das autoridades e um engajamento dos veículos de comunicação e da população em geral com o resgate da nossa história e com os melhores valores do passado. Nunca o Maranhão e a sua capital precisaram tanto de governantes e líderes com um olhar futurístico, que criem cidades inteligentes, mas com visão estratégica que contemple a grandiosidade do nosso passado e o espírito elevado dos governantes de outras épocas. A valorização da nossa história e o seu rico legado precisam voltar à pauta jornalística, retornar aos bancos de escola, aos livros e ao coração dos maranhenses, pois esta é uma forma natural de resgate da liderança que um dia tivemos com relação às demais cidades e estados vizinhos.

O ano novo se aproxima e com ele a esperança da vitória sobre a pandemia, e de vermos, gradativamente, o crescimento e o desenvolvimento do nosso estado e da sua capital, com mais riqueza, funcionalidade, com mais empregos, onde a cultura e o turismo assumam seus papéis e o protagonismo esperados. Por outro lado, o progresso sempre será algo distante enquanto os governantes fizerem ouvidos de mercador para o grande tesouro da nossa história e da nossa cultura. Quem é estudioso do turismo sabe que os locais que valorizam a ação antrópica, a ação do homem, são mais destacados, ganham mais e são menos suscetíveis à degradação, a sazonalidade e são mais sedimentados, com destaque para França, Inglaterra, Itália, Espanha, Portugal, Grécia, Egito, Rússia, etc., e no Brasil cidades como Ouro Preto, Recife, Salvador, dentre várias outras, gozam da vantagem comparativa de ter o turismo histórico-cultural como motor para o crescimento econômico e o desenvolvimento intelectual e social.

É senso comum que São Luís é a capital brasileira que mais tem riqueza em história nesta terça parte do Brasil. A nossa capital talvez só fique atrás do Recife, que ganhou grande impulso sendo a Nova Amsterdã, de Maurício de Nassau; de Salvador, primeira capital do país; e do Rio de Janeiro, sede do mundo português a partir de 1808 e a capital do Brasil até a fundação de Brasília em 1960. Belém nasceu a partir de São Luís, e Fortaleza e Teresina (1852) só despontaram a partir do século XIX.

*São Luís, a primeira cidade do Brasil setentrional*

Até a fundação de São Luís em 1612, toda a parte setentrional do Brasil – da margem esquerda do rio Potengi, no Rio Grande do Norte, até ao Amazonas – tudo era abandonado, existindo apenas os povos nativos e pequenos nichos de povoamento europeus comandados por franceses (Camocim, Chaval, Viçosa do Ceará, São Luís, Cametá, etc.), holandeses, ingleses, irlandeses e escoceses. Com a edificação do forte São Luís, Daniel de la Touche de la Ravardière e François de Razilly deram início a colonização do território, promulgando o primeiro conjunto de leis das Américas e conduzindo a colônia fundada na harmonia e na paz. O estabelecimento gaulês na região atraiu a reação e a consequente ocupação luso-hispânica para estes vastos domínios outrora desabitados.

*Holandeses, revolta de Beckman, Cia de Comércio, Balaiada...*

As décadas e séculos seguintes seriam marcados por outros importantes eventos históricos. A presença holandesa no Maranhão (1641 a 1644), muito além da narrativa interesseira que só menciona a destruição da igreja do Desterro pelos batavos, nos legou a realização do primeiro mapa detalhado, rua por rua, da capital maranhense. Trabalho este atribuído ao famoso cartógrafo e pintor Franz Post. Eles também construíram outros engenhos de açúcar do vale do Itapecuru Mirim e edificaram em pedra o forte do Calvário, na margem esquerda do Itapecuru, em Rosário. Naquele mesmo século veio a primeira tentativa de separação de parte do Brasil em relação a Portugal, movimento conhecido como a Revolta de Beckman (1685); em meados do século seguinte, sob o comando de um outro judeu, o Maranhão seria colocado no topo dos lugares mais importantes da América, quando foi criada a Companhia Geral de Comércio do Grão-Pará e Maranhão (1755). Desde então, o Maranhão conheceu o seu apogeu exportando o grosso do comércio com a metrópole, com a África e com as províncias do sul do Brasil. Nesta época exportava-se algodão, arroz, madeira, gengibre, cacau, couros e outros produtos da terra. Foi desta matriz de comércio pujante que nasceu a “Cidadezinha dos palácios de porcelana”, a Atenas brasileira, berço de parte da intelectualidade do país, com destaque para Gonçalves Dias, Odorico Mendes, Aluísio e Arthur Azevedo, Graça Aranha, Henriques Leal, Coelho Neto e tantos outros.

Investir na história, cultura e turismo do nosso estado é questão de sobrevivência político e econômica do Maranhão. O governante que descobrir este grande potencial terá muito mais condições de melhorar a estima e a vida da população, além de elevar o próprio cabedal político interna e externamente. Está lançado o desafio.

*Turismólogo, pesquisador e escritor. Membro fundador e ex-presidente da Academia Ludovicense de Letras; sócio efetivo do IHGM; doutor honoris causa em história (FEBACLA); embaixador da paz (OMDDH) e idealizador e curador do museu da França Equinocial.
 Por. Antonio Noberto